Partida e Chegada

"Quando alguém que conviveu tantos anos parte, seu lugar fica vazio, mas sua presença parece permanecer até se diluir na agitação da vida. O homem, na solidão da partida, tende a olhar em torno e ver o vulto dela passar na sombra do anoitecer e ouve ainda sua voz, o ruído de seus passos, suas reclamações, manias, alegrias e tristeza. Todavia, passada essa nuvem ilusória, tudo é silêncio...
Sem lembranças perderíamos os laços que nos unem a quem esteve em nosso destino e que permanece no interior de nós mesmos, como símbolos de momentos, como participantes de nossos caminhos e como amor que nos tornou humanos.
A prodigiosa engenharia da mente humana permite que em cada um, transitem imagens, recordações, sonhos que tomam formas e expressões que animam e dão vida aos desejos e lembranças. Há quem lembre para não esquecer. Teme, culpa-se, quando percebe desaparecer como nuvem que corre no céu tocada pelo vento, as imagens dos que tem que amar. Talvez isso leve tantas pessoas a fixar-se em alguém que partiu, abandonou e tomou novos rumos.
Como também existe quem procure esquecer para não lembrar. Procura esconder em algum lugar de si mesmo imagens, momentos e pessoas que marcaram sua vida de forma amarga, triste ou que tenha produzido uma mágoa muito grande.
Todavia, quando os laços que nos prendem a alguém que foi-se de nós, seja nas penumbras da morte ou nos processos da vida, são de bem-querer, a lembrança flui sutil, natural, emerge da alma como um perfume agradável. A imagem delineada na memória traz saudade. A saudade é envolvimento sensível do espírito em emoções que não apenas lembram, mas vivem em cada um a presença do ausente no âmago do ser.
Diante do túmulo, existem mais incertezas do que certezas. O momento da morte é solene, difícil. Para quem vai e para quem fica. A sepultura é uma barreira, um silêncio doloroso, uma incógnita infinita. Nos muitos equívocos traçados ao longo do caminho, afirmou-se que deveríamos esquecer quem partiu ou por ele orar como morto no trânsito entre o céu e o inferno, para rogar a Deus que evite seja jogado no fogo do remorso ou da culpa. Ou então, nos diziam que embora existindo além da sepultura, quem morre voa como passarinho em busca de paisagens celestes e nem se importa com quem fica na superfície do planeta azul, de provas e expiações. Ou, ainda mais cruel, como pregam as religiões, dizendo que quem penetra no céu esquece quem ficou no inferno, dourando pílula do egoísmo ou justificando a secura do coração, o apagar do amor e da saudade.
O que sustenta a vida num universo que nos parece assustador e impessoal, é justamente o afeto, essa misteriosa força que nos arrasta uns para os outros, que nos faz perdermo-nos nos abismos e nos faz erguer às alturas. Ah! Esse trânsito de ida e vinda, porque como diz a canção, a mesma estação é para quem chega e para quem parte. Ah! essa busca de amor, essas lembranças, esses pedidos perdidos no ar: não me esqueças ... não partas... No silêncio de muitos espíritos vivem lembranças de amores não vividos, de esperanças não realizadas, mas também sonhos realizados, faces queridas a se multiplicarem no rodopiar incessante das voltas que a vida dá.
A solidão dói como espinho de insatisfação, penetrando as carnes da alma. As mãos murcham, os olhos morrem, o coração descompassa porque o cheiro do outro, a vibração do outro, até o problema do outro, são necessários para dar sentido à marcha sem sentido que cada um segue para um destino desconhecido.
A experiência afirma que viveremos sempre, que o amor não se perde, nem a esperança. As lembranças podem ser ácido sobre o coração ou aragem suave e perfumada numa tarde de verão... pêndulo da vida!" (Jaci Régis)


PARTIDA E CHEGADA
R. Simonetti

Quando observamos, da praia, um veleiro a afastar-se da costa, navegando mar adentro, impelido pela brisa matinal, estamos diante de um espetáculo de beleza rara.
O barco, impulsionado pela força dos ventos, vai ganhando o mar azul e nos parece cada vez menor.
Não demora muito e só podemos contemplar um pequeno ponto branco na linha remota e indecisa, onde o mar e o céu se encontram.

Quem observa o veleiro sumir na linha do horizonte, certamente exclamará: "já se foi".
Terá sumido? Evaporado?
Não, certamente.
Apenas o perdemos de vista.
O barco continua do mesmo tamanho e com a mesma capacidade que tinha quando estava próximo de nós.
Continua tão capaz quanto antes de levar ao porto de destino as cargas recebidas.
O veleiro não evaporou, apenas não o podemos mais ver.
Mas ele continua o mesmo.
E talvez, no exato instante em que alguém diz: "já se foi", haverá outras vozes, mais além, a afirmar: "lá vem o veleiro".

Assim é a morte.
Quando o veleiro parte, levando a preciosa carga de um amor que nos foi caro, e o vemos sumir na linha que separa o visível do invisível dizemos: "já se foi".
Terá sumido? Evaporado?
Não, certamente.
Apenas o perdemos de vista.
O ser que amamos continua o mesmo.
Sua capacidade mental não se perdeu.
Suas conquistas seguem intactas, da mesma forma que quando estava ao nosso lado.
Conserva o mesmo afeto que nutria por nós.
Nada se perde, a não ser o corpo físico de que não mais necessita no outro lado.
E é assim que, no mesmo instante em que dizemos: "já se foi", no mais além, outro alguém dirá feliz: "já está chegando".
Chegou ao destino levando consigo as aquisições feitas durante a viagem terrena.
A vida jamais se interrompe nem oferece mudanças espetaculares, pois a natureza não dá saltos.
Cada um leva sua carga de vícios e virtudes, de afetos e desafetos, até que se resolva por desfazer-se do que julgar desnecessário.

A vida é feita de partidas e chegadas.
De idas e vindas.
Assim, o que para uns parece ser a partida, para outros é a chegada.
Um dia partimos do mundo espiritual na direção do mundo físico; noutro partimos daqui para o espiritual, num constante ir e vir, como viajores da imortalidade que somos todos nós.
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