Amigos e irmãos

"Amo-te, não só pelo que és,
mas também por aquilo que eu sou quando estou contigo.
Amo-te, não só pelo que fizeste de ti,
mas também por aquilo que tens feito por mim.
Amo-te, porque fizeste mais para me tornares bom do que qualquer credo,
porque fizeste mais para me tornares feliz do que qualquer destino.
E fizeste tudo isso sem me tocares, sem uma palavra, sem um sinal.
Fizeste tudo isso só por seres tu próprio.
Afinal, talvez seja isso o que significa ser amigo." (Roy Croft)


AMIGOS E IRMÃOS
Maine Virgínia Carvalho

Outro dia lendo Clarice Pinkola Estés encontrei uma forma muito lúcida e coerente de classificar laços que unem certas pessoas.
Ela explica que temos uma família sangüínea e uma família psíquica. A sangüínea nos é dada. A psíquica obtemos através dos encontros naturais, por identificação. E ambas carregam muita força em seus laços. Bem, eu tenho as duas.
E ambas são muito fortes. Tenho muitos irmãos. Sete sangüíneos. Doze ou treze psíquicos. Estes eu fui ganhando ao longo da vida, nas esquinas, nos esbarrões casuais. Um a um eles foram chegando e fazendo parte do meu mundo.
Mal eu me dava conta e eles estavam lá e eram parte do meu dia-a-dia, de minhas preocupações, de minhas preces. É uma relação de amor. Baseada em amor e espontânea, natural e forte. Outro dia eu perguntei a uma amiga se sua analista já me "conhecia", se eu já tinha estado em suas sessões e ela me respondeu sorrindo: "não tem como não conhecer, não é? É natural." É sim. É natural.

Ela não mora na mesma cidade que eu. Boa parte de meus amigos-irmãos moram distantes. Não nos vemos todos os dias, às vezes passamos muito tempo sem podermos nos encontrar, mas não faz diferença. Burlamos as leis e os códigos e reduzimos as fronteiras. Estamos juntos, ligados. Nas viagens e em cada paisagem, nos brindes que erguemos, no analista, no supermercado. Nos momentos de tristeza e de alegria. Todos lá, alternando conforme a identificação particular. Cada um têm seu espaço e todos a mesma dimensão. Há que diga que isso é bobagem ou sentimentalismo piegas. Paciência. Eu lamento por todas as pessoas que não conseguem encontrar semelhantes, amigos, irmãos psíquicos, ou como se queira denominar.

Mas entendo. Não é fácil isso. Às vezes estamos tão ocupados em ordenar o centro do nosso umbigo que temos a ilusão - tola, banal - de que devemos fidelidade e amor apenas àqueles com quem temos laços sangüíneos. José Luís Borges afirma a amizade é o sentimento mais nobre que existe. Paulo Sant'Ana complementa e diz que poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os seus amores, mas enlouqueceria se morressem os seus amigos.

Eu concordo. Chamo meus amigos de irmãos. É o que eles são. Cada um tem uma história especial de encontro comigo,
cada um chegou em meu mundo de uma forma distinta e sem aviso prévio. Mas vieram para ficar. Alguns talvez nem façam idéia do quão concretos são em meu cotidiano. Penso neles. Oro por eles, por suas vidas, pelo seu bem estar.
Me alegro e me entristeço neles. E, de vez em quando, sinto uma necessidade visceral de lembrá-los o quão amados são. Sim, porque em certos dias cinzentos, nebulosos e frios, faz uma enorme diferença ter lenha para aquecer o coração. E nunca é demais uma lembrança de que se é amado. Não espero nunca respostas. Mas elas sempre vêm.
Amor em dobro. Embrulhado para presente. E percebo - com um prazer indescritível - o quanto eu também perambulo,
livre e constante, por seus mundos. E isso me esquenta a alma. E prossigo, mais feliz, por tê-los.

A crônica hoje é deles. Eles sabem o que as palavras significam para mim e doá-las é o minha expressão máxima. Escrevo melhor que falo, e sinto melhor que escrevo. Eles sabem disso.
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