Se fosse pra ficar na sombra, eu teria ficado em casa

"Não somos apenas o que pensamos ser.
Somos mais.
Somos também o que lembramos,
e aquilo que nos esquecemos.
Somos as palavras que trocamos,
os enganos que cometemos,
e os impulsos a que cedemos 'sem querer'."
(atribuído a Sigmund Freud)


SE FOSSE PRA FICAR NA SOMBRA, EU TERIA FICADO EM CASA!
Rosana Braga
www.rosanabraga.com.br

Há alguns meses, estive na praia de Ipanema, na linda Rio de Janeiro. Verão intenso, muita gente se divertindo e, sentados na areia, um pouco adiante de mim, três pessoas conversavam animadamente.
Uma delas era um rapaz que, por conta de um detalhe, destoava da grande maioria dos demais ao redor: embora fosse por volta do meio dia e o calor estivesse escaldante, ele não estava se protegendo do sol.
A certa altura, aproximou-se o moço que alugava esse tipo de acessório e ofereceu:
- Você quer que eu lhe traga um guarda-sol?!?
E ele, muito à vontade na situação em que estava, respondeu quase que indignadamente:
- Meu caro, se fosse pra ficar na sombra, eu teria ficado em casa!

Num primeiro momento, tanto o tom da voz dele quanto a convicção de sua decisão em permanecer sob o sol soaram quase como uma piada para mim. Mas agora, depois de passado todo esse tempo, comecei a me dar conta de quantos diferentes significados aquela frase foi ganhando.

Passei a, repetidas vezes, não só me lembrar, como também a criar metáforas para a tal assertiva. “Ficar na sombra” é, na linguagem da psicologia, manter-se na inconsciência; é como aquela parte do iceberg que fica debaixo d’água, invisível aos navios, podendo provocar graves acidentes.
“Ficar na sombra” também quer dizer não se expor, não enfrentar determinada condição como ela é. E, no caso de lançar mão de um acessório para se proteger ou se esconder, é ainda uma estratégia para não ter de lidar com algo que pode estar incomodando, ainda mais se a intensidade for grande.
Claro que no caso real, é indiscutível que uso de protetor solar e do guarda-sol é extremamente indicado e benéfico à saúde; mas meu intuito não é julgar a escolha do rapaz e sim refletir sobre o impacto que a afirmação tão convicta dele me causou.

Fez com que eu pensasse em quantas vezes a gente prefere ficar mergulhado na sombra a sair de casa e ir à luta, ou “dar a cara à tapa” como diz o ditado popular.
Quantas vezes preferimos uma falsa segurança – ainda que escura e nebulosa – ao risco, à possibilidade de tentar. E – pior! - quantas vezes saímos de casa e, ao sentirmos o calor do sol, ou seja, a chance de viver plena e intensamente uma oportunidade que a vida nos apresenta, corremos em busca de uma sombra, assustados, inseguros.
Preferimos nos omitir a expressar o que pensamos, o que sentimos, o que queremos. E assim, de sombra em sombra, tentando nos esquivar da condição real, vamos perdendo chances incríveis de realizar um sonho, de ocupar um cargo há tempos desejado, de experimentar um amor, de desbravar o desconhecido e, enfim, de nos transformar numa pessoa melhor...

Talvez esteja aí a resposta para tantas atrocidades sendo cometidas, para tamanho mal-estar que tem rondado o planeta de um modo geral: muita sombra imposta sobre lugares, pessoas e situações onde poderia estar brilhando o sol. Muita escuridão onde poderia estar inundado de luz. Muita inconsciência onde bastaria um pouco mais de coragem, um pouco mais de disponibilidade ou simplesmente o exercício de nossa verdadeira humanidade.

Portanto, a conclusão a que chego quando me lembro daquela intrigante frase do rapaz da praia de Ipanema – “Se fosse pra ficar na sombra, eu teria ficado em casa!” – é a seguinte: que fechemos nossos guarda-sóis, que paremos de inventar tanta sombra para nos proteger ou nos esconder do que está aí para ser vivido... e que sejamos, deste modo, bem mais audaciosos quando o convite for para a vida, para o bem e para o amor!

1 Response
  1. Oii
    Eu já ouvi falar muito bem dessa autora Rosana Braga, mas nunca fui atrás pra conhecer melhor o que ela escreve.
    Então hj através daqui conheci essa crônica que é de autoria dela, que por sinal me identifiquei muito, porque eu sou exatamente como ela descreve na crônica, tenho medo de tentar, arriscar algo novo e no fim quebrar a cara!
    Eu preciso ter a certeza que meus planos vão dar certo pra que eu siga em frente se eu encontrar um virgula paro ali e não saio mais, mas como vou saber se vai dar certo se não tentar e se no primeiro obstáculo eu desito... Sou muito pessimista e por isso a minha vida é uma mesmice.
    Enfim esse é um ponto que preciso melhor pra poder ser um pouquinho mais feliz, mas gostei da crônica, vou procurar por textos dela lá para o meu blog.
    Bjus
    Jan